Mitos da Taxa de Desconto #1
Aproveitando as recentes postagens do professor Damodaran (principal nome na área de valuation) sobre os mitos e erros realizados pelos investidores e avaliadores em relação à taxa de desconto (postadas em seu canal no YouTube), vamos fazer um compilado dos principais conceitos e aproveitar para abordar as formas de “descontar” os fluxos de caixa da empresa avaliada.
Segundo o autor, existe a afirmação equivocada de que “se você não gosta da teoria moderna do portfólio, você não pode utilizar avaliações por fluxo de caixa descontado”. Bem, vamos dar uma olhada na forma básica de desconto:
Valor de um ativo = Σ (fluxos de caixa futuros/ ((1+taxa de desconto)^n)
Ou seja, o valor de um ativo hoje é o valor presente de seus fluxos de caixa, descontados a uma taxa que corresponde a uma medida que representa a incerteza existente em relação a este fluxo de caixa, ou seja, o seu risco. Não existe nada específico na operação cima, em relação à teoria moderna ou técnica mais sofisticada.
“Mas enfim, o que descontar?”
Depende. Você está avaliando toda a empresa ou apenas o patrimônio liquido?
Na avaliação da empresa/firma, você avaliará o negócio (o operacional), descontando os fluxos de caixa para os claimholders por um custo ponderado de capital e dívida (conhecido como WACC). Esse tipo de avaliação é comum nas negociações de compra da empresa. Já na avaliação do patrimônio líquido, o desconto dos fluxos de caixa para os acionistas será realizado por uma taxa que reflita o risco do patrimônio líquido (custo de capital). Essa taxa representa teoricamente o quanto um investidor requer para investir na empresa.
Então, ambas as formas requerem uma taxa de desconto e esta taxa de desconto aparece tanto na estimação do WACC para valuation da empresa quanto para estimar o que os investidores requerem de retorno ao investir na empresa avaliada. É aqui que a teoria moderna do portfólio entra e determina a forma de pensar no risco.
Sem entrar em detalhes sobre o trabalho do Harry Markowitz, temos que:
Existe um foco no investidor marginal: O risco de um investimento deve ser mensurado pela perspectiva do investidor diversificado, eliminado os riscos não sistemáticos da empresa. Este investidor se preocupa com o risco sistemático de sua carteira. Aquele que ele não pode diversificar.
O investidor possui um menu de investimentos, podendo investir de acordo com seu apetite para o risco: de t-bonds até derivativos.
Existe a confiança na eficiência do mercado, onde as variações nos preços refletem as variações no valor.
“Sim, mas... e daí?”
Daí que, para incorporar estes pressupostos, precisamos de modelos de precificação de ativos, como o CAPM, APT e os modelos multifatoriais (geralmente com fatores macroeconômicos). O interessante é que todos estes modelos utilizam betas, sejam na mensuração do risco do ativo em relação à carteira de mercado, ou em relação aos outros fatores observados empiricamente.
“A questão é, e se eu não acreditar ou não quiser utilizar estes modelos?”
Damodaran em seu vídeo aponta os principais questionamentos em relação ao beta – ou betas – e apresenta formas diferentes de mensuração do risco, em relação à teoria moderna do portfólio:
Logo, se você acreditar que o investidor marginal que precifica o risco é diversificado, porém não acreditar, ou não querer usar medidas de risco baseadas nos preços passados, existem as alternativas:
Betas contábeis
Neste procedimento, talvez você esteja procurando uma forma de mensuração que preserve a ideia do investidor marginal diversificado, mas não queira utilizar os preços passados do mercado de ações. Neste caso, talvez os lucros reportados nas demonstrações contábeis sejam mais consistentes ou mais intrínsecos. Este processo é chamado de beta contábil, e mensura o risco por meio do valor patrimonial da ação em relação ao mercado. O principal ponto negativo é que as demonstrações são atualizadas trimestralmente, ao contrário dos preços praticados no mercado.
Modelos de custo da dívida
Outra opção seria utilizar o custo da dívida como base para determinar o risco do patrimônio líquido. Essa alternativa parece arbitrária uma vez que é necessário estabelecer uma relação entre o risco relacionado ao custo da dívida com o risco do capital. Por exemplo, você poderia argumentar que para uma empresa com custo de dívida igual 10%, o custo do PL seria algo em torno de 1,5x. Infelizmente, você terá que fazer estudos estatísticos mais complexos para estimar esta relação com mais confiança.
Já no outro extremo, pode ser que você não acredite na primeira premissa. Porém, se você concorda com a mensuração do risco baseados nos preços, podemos usar:
A volatilidade dos preços
Neste caso, como você não acredita que o investidor que precifica o risco não é diversificado, uma forma é utilizar toda a volatilidade apresentada não preço, não se concentrando apenas no risco sistemático. Como exemplo, vamos dizer que você esteja avaliando a Embraer (confira nossa avaliação por múltiplos aqui) e ela apresente um desvio padrão dos preços das ações, calculado com os dados anuais do fechamento diário de 50%, e que o desvio padrão médio de todas as ações negociadas seja de 30%. Logo, 50/30 = 1,66. Essa medição se parece com o beta, a diferença é que não estamos focando apenas no risco sistemático.
Proxy models
A criação de modelos empíricos requer um maior conhecimento do avaliador em relação aos métodos quantitativos. Neste caso, é comum utilizar os testes econométricos para seleção de fatores de risco para construção do modelo, assim como os testes de validação de regressão, como o teste de heterocedasticidade, autocorrelação e normalidade.
O CAPM aditivado/modificado
Neste caso, você pode querer adicionar mais fatores de risco ao modelo do CAPM original. Existem modelos, por exemplo, que adicionam um prêmio pela liquidez (comum em mercados emergentes). Os modelos empíricos mais famosos e utilizados atualmente são os modelos de três fatores, onde são adicionados os fatores tamanho da empresa e índice book-to-market, e o modelo de quatro fatores com adição do fator momentum.
O custo de capital implícito
Você também pode utilizar um custo e capital implícito, reordenando a fórmula do desconto de dividendos. Uma vez que a equação original do modelo de desconto de dividendos é dada por:
Valor da ação hoje = Dividendos esperados no próximo período/(Retorno requerido – Taxa de crescimento esperada)
No exemplo do autor, foi utilizado o S&P 500 em 31/12/2007, que fechou em 1468.36. A média dividend yield do índice mais os ganhos por recompra de ações (muito comuns no mercado americano, mas no caso brasileiro podemos adotar apenas os dividendos) nos últimos 7 anos foi de 4,02%, com crescimento médio de 5%:
Utilizando o total de ganhos com dividendos e recompras, de 61.98 em 2007, e admitindo que o mesmo cresça 5% nos próximos 5 anos e 4,02% no valor terminal, o modelo de desconto de dividendos será:
Resolvendo, temos que o r (retorno requerido) = 8,39%. Logo, o custo de capital implícito será = r – taxa livre de risco.
No último caso, se você não aceita nenhuma das duas premissas apresentadas, sobram:
A volatilidade dos lucros
Se você respondeu não para as duas perguntas da figura acima, uma saída para mensurar o risco está na volatilidade dos lucros. Similar ao abordado na volatilidade dos preços, você vai olhar para o desvio padrão dos lucros da empresa em relação à média observada no mercado. Como um exemplo, vamos supor que o desvio padrão dos lucros (e neste caso estamos falando do lucro líquido) de uma empresa seja de 30%. Dividido pela média das empresas de 20%, teríamos um resultado de 1,5. Mais uma vez, tal relação é bastante parecida com a volatilidade dos preços.
Modelos baseados em índices contábeis
Neste caso existe uma quantidade grande de índices contábeis que poderiam ser utilizados como uma forma de mensurar o risco. Você poderia argumentar que empresas com alta alavancagem são mais propensas a falir, logo teriam maior risco. Ou que empresas que apresentam baixo índice de cobertura de juros em relação ao mercado. Enfim, mais uma vez, esta forma de mensuração sofre dos mesmos problemas relacionados aos modelos de com base nos custos da dívida.
Finalmente, apresentadas as diversas formas de estimar uma taxa de desconto, Damodaram conclui que o modelo de desconto e fluxo de caixa é totalmente agnóstico com relação à forma que você determina esta taxa, desde que você consiga determinar uma taxa que faça sentido. Então, se por algum motivo você não confia, não gosta, ou não acredita na teoria moderna do portfólio, pegue um destes modelos alternativos e faça sua avaliação.