Mitos do Valor Terminal
Neste post vamos continuar com os mitos e as “não tão verdades” em relação a avaliação de empresas. Em especial, focaremos no valor terminal presente nas avaliações por fluxo de caixa descontado. Essa pequena série é uma cobertura da série sobre mitos nas avaliações realizada pelo professor Aswath Damodaran, em seu canal no YouTube.
Valor terminal
Primeiramente, para aqueles que não são familiarizados com o termo, o valor terminal é – explicando de forma bem simplista – o maior valor da avalição. Ou seja, ele concentra a maior parte do valor da empresa, uma vez que estimamos as receitas ou o EBIT para um tempo perpétuo.
Explicando matematicamente, um fluxo de caixa descontado pode ser resumido em:
Uma vez que você não sabe, não tem os recursos, ou não quer projetar os fluxos de caixa para todo o período em que a empresa vai operar, afinal essa seria uma estimação praticamente impossível, assumimos que a empresa irá durar indefinidamente (Quem saberia esse número? Empresas podem permanecer em atividade por longos períodos. A título de curiosidade, a Hering foi fundada em 1880, a Klabin, do ramo do papel e celulose, em 1899 e a Souza Cruz, líder no mercado de cigarros, em 1903).
Sendo o valor terminal dado por:
Onde:
Ou seja, a estrutura do Valor Terminal é a mesma de uma perpetuidade crescente, muito utilizada nos modelos de desconto de dividendos (vide o modelo de desconto de dividendos de Gordon na Investopedia.com)
Ok, mas onde está o “Mito” relacionado ao valor terminal?
A questão levantada está na noção de que muitas companhias se encontram em diferentes ciclos de vida: se você tivesse que estimar, sem olhar as demonstrações passadas, apenas pelo seu “feeling”, qual empresa tem maior potencial de crescimento: uma empresa que vende cigarros ou uma empresa de energias renováveis? Qual você assume que tem maior potencial para os próximos 10, 20 ou 50 anos?
Logo, por que vamos assumir que ambas irão crescer a uma taxa constante na perpetuidade? (Geralmente, igual a taxa de crescimento da economia nacional).
Outra questão está na avaliação de empresas fechadas, como as empresas familiares ou de um único dono. Existem também as que trabalham com concessões, como as de energia elétrica no Brasil. Assim, assumir a perpetuidade, nestes casos, é contra intuitivo.
Mas será que assumir ou não a perpetuidade da empresa vai fazer mesmo muita diferença? Vamos dar uma olhada em outras abordagens:
Abordagens alternativas para o cálculo do Valor Terminal
#1 Anuidade ou anuidade crescente
A anuidade ou anuidade crescente são operações bem conhecidas e sua estrutura pode ser utilizada para o cálculo do valor terminal em empresas que possuem um ciclo de vida aproximadamente conhecido.
Exemplos:
Este é o caso de uma mineradora cuja mina possui um tempo finito para extração (para este caso uma abordagem utilizando um modelo binomial de opções poderia ser mais adequado, mas por hora fica para outro post). Empresas de energia elétrica que trabalham com um tempo limite de contratos de concessão de energia, etc.
Fórmula:
Considere uma empresa que vai gerar um fluxo de caixa finito por 40 anos, crescendo 2% por ano, e com uma taxa de desconto WACC de 8%:
Obs: Neste caso foi adicionada o (1,08)^5 para trazer a anuidade do ano 5 para o valor presente.
Para demonstrar a diferença entre utilizar a anuidade crescente para a perpetuidade crescente, Damodaran apresenta o gráfico abaixo.
Assim, temos um valor terminal no ano 40 bastante aproximado com o valor resultante de uma perpetuidade. Porém, vale lembrar que a taxa de crescimento utilizada foi baixa em relação ao crescimento médio das empresas, assim como a taxa de desconto de 8% faz muito mais sentido em países desenvolvidos.
2# Alternativa utilizando múltiplos de EV/EBITDA (Exit Multiple Method)
Este tipo de abordagem conhecida como Exit Multiple Method, segundo Damodaran, desvirtua a noção de obter um valor intrínseco, o qual é o objetivo de uma avaliação por fluxo de caixa: o uso de múltiplos de métricas operacionais para determinar o valor terminal. O múltiplo é usado para estimar este valor de acordo as empresas do mesmo setor.
Ou seja, você estará avaliando a empresa no futuro (após uma série de estimações de 5 a 10 anos) por um múltiplo operacional atual, que provavelmente não será o mesmo no futuro:
Isso simplesmente “mistura” a avaliação por Fluxo de Caixa Descontado com a avaliação por múltiplos, comprometendo a obtenção do valor intrínseco. Neste caso, seria melhor fazer uma avaliação relativa (que você pode conferir um post sobre isso aqui)
Conclusão
Existem outras formas de obter o valor terminal de uma série de fluxos de caixa, não existindo uma obrigatoriedade com o uso de uma série perpetua. No caso de empresas que possuem um ciclo operacional conhecido, seja qual o fator, uma boa saída seria a utilização de modelos de anuidade. Porém, em caso em que a finitude das operações é certa (como a exploração de recursos naturais), mas dificilmente estimada, a utilização de uma série perpetua ainda é a melhor saída.